terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Pergunte ao Pó - John Fante





"Os dias magros de teimosia. Essa era a palavra. Teimosia: Arturo Bandini diante da máquina de escrever dois dias seguidos, decidido a ter sucesso; mas não funcionou, o mais agudo ataque de teimosia de sua vida, e nem uma linha, só uma palavra repetida, de cima a baixo, a mesma palavra: palmeira, palmeira, palmeira, uma luta de morte entre a palmeira e eu, e a palmeira ganhou: olha lá ela balançando no ar azul, farfalhando doce no ar azul. A palmeira venceu depois de dois dias de luta, e eu rastejei pela janela e me sentei aos pés da árvore. O tempo passou, um momento ou dois, e eu caí no sono, formiguinhas marrons fazendo farra nos pelos das minhas pernas."

(Trecho do livro)


Descobri a existência do escritor John Fante (1909-1983) através de Charles Bukowski (1920-1994), não por coincidência outro Escritor e Poeta. Bukowski, quando jovem, frequentava a biblioteca de Los Angeles - segundo ele, somente quando não tinha dinheiro para bebida. Cansado de ler os velhos escritores ditos "medalhões", resolveu procurar algo que prestasse entre os novos e desconhecidos, ou mesmo em outras áreas de leitura que não a Literatura (até a seção de Cirurgia ele leu), um dia, deparou-se com um exemplar do livro "Pergunte ao Pó" numa preteleira. Segundo ele, o livro era escrito "com as tripas e com o coração", e influenciaria seu modo de escrever permanentemente.

O livro conta a história de Arturo Bandini, filho de imigrantes que veio para Los Angeles com uma mala contendo exemplares de uma revista literária com seu único conto: "O cachorrinho riu".

Bandini é um jovem de vinte anos que pensa o tempo todo em tornar-se um grande escritor de fama e glória, mas vive num Hotel barato, à base de laranjas, e enrolando seus cigarros com papel higiênico. Quer escrever sobre a vida e o amor, mas não tem muita experiência com a coisa. Ele sabe disso e uma das marcas da escrita de Fante é que o personagem possui um senso de autocrítica bastante evidente e articulado dentro do texto.

Vivendo na Los Angeles dos anos 30, um dia entra num bar para beber um café ordinário, e conhece a Garçonete Camilla Lopez. Ela é mexicana e Bandini fica instantaneamente apaixonado – o que não admite. Daí, a hierarquização das relações e o preconceito existente na sociedade da época são evidenciados no trato que o autor dá ao romance entre Camilla e Arturo: a relação de amor-ódio entre eles, que se intensifica. A garçonete é apaixonada por outro cara, que também aspira ser um escritor. Ela pede ajuda a Bandini, para que aconselhe o rapaz. Mas ainda assim uma relação entre eles se desenvolve e dá voltas e reviravoltas no enredo.

John Fante escreve com o coração e as tripas, como Bukowski relata: a estrutura textual é bem amarrada e clara, como se as palavras fossem entalhadas na página. Os capítulos podem ser separados da obra e ainda assim possuem uma estrutura lógica, como se fossem pequenos contos. É uma leitura gostosa, em que você termina o capítulo louco pra ler o próximo.

A Editora José Olympio finalmente relançou o clássico de John Fante, com tradução de Roberto Muggiati. Já não era sem tempo e a tradução é primorosa e atual. O livro pode ser encontrado AQUI.

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