sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Explicação do Fato (Torquato Neto)




Impossível envergonhar-me de ser homem.
Tenho rins e eles me dizem que estou vivo.
Obedeço a meus pés
e a ordem é seguir e não olhar à frente.
Minúsculo vivente entre rinocerontes
me reconheço e falho
e insisto.

E insisto porque insistir é minha insígnia. 
O meu brasão mostra dois pés escalavrados
e sobram-me algumas forças: sei-me fraco
e choro.

E choro e nem assim me excedo na postura humana:
sofro o corpo inteiro, pendo e não procuro
a arma em minhas mãos.

Sei que caminho. É só.
Joelhos curvam-se, amaziam ao chão que queima
e me penetra e eu decido que não posso
envergonhar-me de ser homem. 

A criança antiga é dique barrando o meu escôo
e diz que não, não me envergonhe.
Não me envergonho.

Tenho rins mãos boca orgão genital e
glândulas de secreção interna:
impossível.

No entanto sinto medo
e este é o meu pavor.

Por isso a minha vida, como o meu poema,
não é canto, é pranto
e sobre ela me debruço
observando a corcunda precoce
e os olhos banzos.

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