sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Ao Leitor - Charles Baudelaire


Charles Baudelaire sempre me vêm à cabeça quando paro pra refletir mais a fundo sobre esse Mundo em que vivemos. Essa Era de velocidade e abundância de informação, tecnologia, e também de decadência, onde conceitos mais humanos estão se liquefazendo. Um dos poemas que mais gosto é "Ao Leitor", que vem na abertura de "Flores do Mal", obra máxima do supracitado poeta; nele, Baudelaire já diz a que veio:


AO LEITOR

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez 
Habitam nosso corpo e o espírito viciam, 
E adoráveis remorsos sempre nos saciam, 
Como o mendigo exibe a sua sordidez. 

Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça; 
Impomos alto preço à infâmia confessada, 
E alegres retornamos à lodosa estrada, 
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça. 

Na almofada do mal é Satã Trismegisto 
Quem docemente nosso espírito consola, 
E o metal puro da vontade estão se evoca 
Por obra deste sábio que age sem ser visto. 

É o diabo que nos move e até nos manuseia! 
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos; 
Dia após dia, para o Inferno caminhamos, 
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia. 

Assim como um voraz devasso beija e suga 
O seio murcho que lhe oferta uma vadia, 
Furtamos ao acaso uma carícia esguia 
Para espremê-la qual laranja que se enruga. 

Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos, 
Em nosso crânio um povo de demônios cresce, 
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce, 
Rio invisível, com lamentos indistintos. 

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada 
Não bordaram ainda com desenhos finos 
A trama vã de nossos míseros destinos, 
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada. 

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais, 
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras, 
Aos monstros ululantes e às viscosas feras, 
No lodaçal de nossos vício ancestrais, 

Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo! 
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, 
Da Terra, por prazer, faria um só detrito 
E num bocejo imenso engoliria o mundo; 

É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção, 
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado. 
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado 
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

Charles Baudelaire

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